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Terça, 12 Maio 2015 17:46

A Progressividade do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU

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INTRODUÇÃO

O Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU - é um imposto direto que incide sobre a propriedade imobiliária. É de competência exclusivamente municipal conforme determina a Constituição Federal e que deverá observar rigorosamente os princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva, da igualdade, da proporcionalidade e o da proibição de confisco.

Tal tributo, é considerado de natureza real, porque seu lançamento leva em consideração apenas as características do imóvel.

Esta peculiaridade de ser um tributo real é reforçada pelo art. 33 do Código Tributário Nacional que especifica que a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel.

Com base neste entendimento, a cobrança progressiva do IPTU vinha encontrando resistências pelo Supremo Tribunal Federal que entendia que não poderia ser invocado o art. 145, § 1.º da CF para o IPTU: "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte", porque o IPTU não seria um imposto pessoal, ou seja, aquele que leva em consideração a pessoa do contribuinte.

Por isso, o STF vinha declarando a inconstitucionalidade de dispositivos em leis municipais, enfatizando que a única progressividade admitida pela CF, em tema de IPTU, era a de caráter extra fiscal, ou seja, para garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana, desde que observados os requisitos do art. 156, § 1.º e do art. 182, § 4.º, II da CF.

O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 153.771-0- MG (julgado pelo Plenário do STF em 20.11.1996, com acórdão publicado no DJU em 05.09.1997), definiu a posição da Corte Suprema sobre os limites constitucionais à instituição, pelos Municípios, do IPTU progressivo. A ementa oficial do acórdão desse julgado foi assim redigida:

"EMENTA: - IPTU. Progressividade. - No sistema tributário nacional, o IPTU inequivocamente é um imposto real.

- Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real, que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com arrimo no art. 156, § 1º (específico).

- A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente conclusão de que o IPTU com finalidade extra fiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extra fiscal aludido no artigo 156, I, § 1º.

- Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal.

(Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o subitem 2.2.3. do setor II da Tabela III da Lei nº 5.641, de 22.12.1989, no Município de Belo Horizonte).

Considerando, desta forma, o IPTU como imposto real cujo lançamento levaria em conta exclusivamente as características do imóvel e , ainda, de que a interpretação do art. 156 da CF deveria ser entendida conjuntamente com o art. 182, § 4.º, inciso II da CF, que previa a progressividade no tempo1.

Desta forma, antes da vigência da EC 29/2000, o IPTU somente podia ser progressivo para assegurar o cumprimento da função social da propriedade.

A EC 29/2000 veio a pacificar sérias divergências existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a progressividade do IPTU, permitindo tanto a progressividade fiscal como a extrafiscal, na medida em que autoriza a progressividade em razão do valor do imóvel e de alíquotas diferentes conforme a localização e o uso do imóvel, mas ressalvando a manutenção da 1 A progressividade no tempo do IPTU é uma penalização imposta ao proprietário do imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, quando este se negar a dar um adequado aproveitamento a seu imóvel, de acordo com o estabelecido no plano diretor. Tal penalidade é aplicada por lei, após a imposição da penalidade de parcelamento ou edificação compulsória. progressividade já permitida no art. 182, § 4.º, II da CF, progressividade no tempo.

A partir da vigência da EC nº 29/00, em 13 de setembro de 2000, o IPTU passa a ter um caráter de progressividade fiscal, ou seja, poderá ser progressivo em relação ao valor do imóvel tão somente para arrecadar mais, quanto maior seja o valor do imóvel do contribuinte. Não há mais a obrigatoriedade de que o IPTU venha atrelar-se ao cumprimento da função social da propriedade privada.

Por outro lado, o IPTU progressivo no tempo que já era permitido antes da EC 29/00 mas que não era cobrado porque dependia de lei federal, teve viabilizada sua cobrança pois, com a recente entrada em vigor da Lei 10 257 de 10/07/2001- Estatuto da Cidade- ficou definido que a propriedade atenderá a sua função social quando de acordo com as exigências fundamentais da ordenação da cidade, expressas no seu plano diretor. Assim, é no plano diretor da cidade que estará definida a classificação das propriedades imobiliárias que atendem e as que não atendem à função social, estas últimas passíveis da penalidade denominada progressividade no tempo.

PROGRESSIVIDADE FISCAL E PROGRESSIVIDADE EXTRAFISCAL

A função fiscal do tributo é da essência de sua natureza arrecadatória, aquela que se refere ao aumento da arrecadação tributária. Por outro lado, a função extrafiscal do tributo deve ser entendida como aquela que se relaciona à possibilidade do tributo ser utilizado como instrumento de política urbana.

A progressividade extrafiscal do IPTU garante o atendimento da função social da propriedade, compelindo o proprietário de imóvel urbano a adequar-se ao plano diretor da cidade, na medida em que terá elevada a alíquota no tempo, até que melhore o aproveitamento de seu imóvel. Funcionando o IPTU não apenas com a finalidade arrecadatória, mas também como um verdadeiro instrumento de política urbana.

Salienta Hugo de Brito Machado:

"Existem, porém situações nas quais o tributo pode funcionar como excelente instrumento de intervenção do Estado na atividade privada, seja para estimular comportamentos desejáveis, seja para propiciar a construção de uma sociedade mais justa". ( Reforma Tributária e Autonomia Municipal. http//www.temis.com.br/artigos).

Enquanto que Kiyoshi Harada define o que deva ser entendido por progressividade fiscal e extrafiscal:

"A progressividade fiscal, decretada no interesse único da arrecadação tributária tem seu fundamento no preceito programático representado pelo §1.º do art. 145 da CF, segundo o qual sempre que possível, o imposto será graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte"

"Já a progressividade extrafiscal tem seu fundamento no poder de polícia.... Assim, a progressividade extrafiscal tanto aquela prevista no §1.º do art. 156 da CF ( progressividade genérica) como aquela prevista no §4.º, II do art. 182 da CF ( progressividade específica) tem objetivo ordinatório. O fim visado não é o aumento da arrecadação tributária". (Sistema Tributário na Constituição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 329/331).

Pela Constituição Federal, além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU será progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Ou seja, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1.º do art. 145 da CF) o IPTU deverá obedecer a uma progressividade extrafiscal (agora nos termos do § 1.º do art. 156 da CF).

Só a progressividade extrafiscal depende da edição do plano diretor, que vai indicar qual a função social da propriedade.

Temos, pois, que também o IPTU pode ser instrumento de extrafiscalidade, como emprego da tributação para fins não-fiscais, mas ordinatórios, vale dizer, para disciplinar comportamento de contribuintes.

A progressividade extrafiscal do IPTU permite que, em havendo plano diretor, suas alíquotas variem, para menos ou para mais, conforme o imóvel urbano preencha, respectivamente, mais ou menos sua função social.

Ainda a respeito do IPTU, há a questão da progressividade do IPTU no tempo: nada impede que suas alíquotas aumentem progressivamente, à medida que o proprietário do imóvel urbano for perseverando em seu mau aproveitamento.É uma verdadeira penalidade imposta ao proprietário que não promova o uso adequado do seu imóvel.

A PROGRESSIVIDADE DO IPTU PARA ASSEGURAR A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.

A Constituição Federal, no seu art. 156, § 1.º previa a progressividade do IPTU apenas para assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988 impôs restrições à progressividade, sendo que no capítulo da política urbana, dispôs no art. 182, § 2.º sobre o conteúdo e alcance desta progressividade: "a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais do ordenamento da cidade expressas no plano diretor".

No plano diretor da cidade, instituído por lei municipal, é onde devem constar os objetivos, funções e o alcance da função social da propriedade imobiliária urbana. É no plano diretor que estarão as definições para a classificação de propriedades que cumprem a função social e das que não cumprem a função social.

Prevê o art. 182, § 4.º da CF:

"É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I- parcelamento ou edificações compulsórios;

II- Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III- Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Neste dispositivo trata a Constituição Federal da progressividade extrafiscal que permite que o IPTU seja progressivo no tempo, nos termos da lei municipal, de forma a assegurar a função social da propriedade.

Todavia, o IPTU progressivo extrafiscal, previsto no art. 182, § 4º, II da Constituição não pode ser exigido sem que antes a municipalidade conclua o parcelamento ou edificações compulsórios, previstos no inciso I do § 4.º do mesmo artigo, uma vez que este artigo refere à sucessibilidade das condições. Assim, somente após o parcelamento ou edificações compulsórios, previstos no inciso I, é que poderá ser instituído o imposto IPTU progressivo no tempo, previsto no inciso II.

Em relação ao termo progressividade no tempo, explica Ives Gandra da Silva Martins:

"Mesmo quando cabível a progressão, a lei só pode tomar em conta a variação da alíquota no tempo. É dizer, a alíquota aplicável sobre o valor venal do ano "A" será majorada nos anos "B" , "C", "D" e assim por diante. Assim, tirante a variável temporal, não cabe a aplicação de quaisquer outros critérios de progressão" (Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 707).

Portanto, pela CF de 1988 o pressuposto da progressividade do IPTU era apenas para assegurar a função social da propriedade, como definido na lei municipal que instituía o plano diretor.

O legislador municipal tem competência, conferida pela CF, para estabelecer alíquotas progressivas no tempo, para obrigar os proprietários de terrenos urbanos a se adequarem às diretrizes do plano diretor (instrumento básico da política de desenvolvimento e da expansão urbana).

Em relação ao plano diretor do Município, convém referir a recente lei nº 10.257 de 10/7/2001- Estatuto da Cidade- que veio a regulamentar os artigos 182 e 183 da CF, estatuindo em seu art. 3.º:

"A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais da ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2.º, desta lei".

Assim, pelo Estatuto da Cidade, fica viabilizada a cobrança de IPTU progressivo no tempo, pelo não cumprimento da função social da propriedade, nos termos do art. 182 da CF.

PROGRESSIVIDADE DO IPTU APÓS A EC 29/2000

Com a EC 29/2000, o art. 156, § 1.º da CF passou a ter a seguinte redação:

Art. 156 - Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

§ 1.º- Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4.º, inciso II, o imposto previsto no inciso I, poderá:

I - ser progressivo, em razão do valor venal do imóvel e

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e do uso do imóvel.

III - Passa a ser permitida constitucionalmente a progressividade em razão do valor venal do imóvel, bem como, a diferenciação de alíquotas, em função da localização e do uso do imóvel, consagrando a constitucionalidade em função da base de cálculo.

Com a EC 29/2000 a progressividade do IPTU estendeu-se também à sua função fiscal, pois a extrafiscal já era prevista constitucionalmente pelo art. 182, § 4.º, II da CF, de modo que, podemos afirmar que, atualmente, temos quatro hipóteses constitucionais previstas em que a progressividade das alíquotas do IPTU é possível:

1. Progressividade como instrumento de política urbana no tocante ao solo urbano não edificado ou não utilizado;

2. Progressividade de acordo com o valor do imóvel;

3. Progressividade de acordo com a localização do imóvel;

4. Progressividade de acordo com o uso do imóvel.

Para Roque Antonio Carraza:

"A Constituição quer que além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (nos termos do plano diretor). Em outras palavras, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1.º do art. 145, c.c. o inc. I do § 1.º do art. 156, ambos da CF), o IPTU deverá submeter-se a uma progressividade extrafiscal ( determinada no inc. II do § 1.º do art.156 da CF)".(Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo. Malheiros Ed.- 2000, p.94).

Assim, consagrada está a constitucionalidade da progressividade fiscal e extrafiscal do IPTU, todavia, apenas a progressividade extrafiscal é que depende da edição do plano diretor, que irá definir as área críticas e indicar qual a melhor localização dos imóveis e qual deverá ser o uso mais adequado do imóvel urbano, para atender as reais necessidades do município.

CONCLUSÃO

Atualmente, os municípios estão plenamente capacitados a editarem leis municipais para a cobrança do IPTU, tanto com a característica de progressividade fiscal, quanto extrafiscal, ou seja, considerando o valor do imóvel, sua localização e uso ou considerando a função social da propriedade ou, até mesmo, as duas modalidades de progressividade conjuntamente.

Todavia, para a cobrança da progressividade extrafiscal dependerá o Município, da edição do plano diretor da cidade, que irá indicar qual a melhor localização e uso adequado do imóvel urbano. Necessário, também, que previamente à progressividade do IPTU seja determinado o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado (art. 182, § 4º, I , CF). Após estas providências, o município poderá então proceder à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

SILVIA MARIA BENEDETTI TEIXEIRA

Advogada e Professora de Direito Civil e Direito Tributário

 

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