Ibrape

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Essa a conclusão de um estudo conduzido pelo economista François de Bremaeker, com base as receitas de Estados e Municípios. Os cofres das prefeituras de cidades mais populosas são os mais afetados pela proposta do governo

Um estudo realizado com base na arrecadação de impostos dos Estados e municípios em 2015 coloca em xeque a neutralidade prometida na proposta de reforma tributária do governo, de que nenhum dos entes da federação perderá receitas com a reformulação do sistema. 

Os principais pontos do projeto têm sido detalhados pelo relator da matéria na Câmara, deputado Luiz Carlos Hauly, mas sem qualquer estudo acompanhado por simulações de perdas ou ganhos na arrecadação. 

De autoria do economista François de Bremaeker, membro do Conselho de Política Urbana, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e consultor do Observatório de Informações Municipais, o estudo aponta queda na receita tributária de um número expressivo de municípios com a adoção no novo modelo proposto. 

"É possível verificar, com um mínimo de detalhamento dos dados, que as promessas de neutralidade da reforma e de garantia de manutenção do nível de receita dos entes federados, em especial dos Municípios não está garantida", afirma Bremaeker. 

De um modo geral, perdem mais os municípios de maior porte demográfico. Na distribuição dos municípios de acordo com o Estado, o recuo na arrecadação ocorre em todos.  

Pela proposta de reforma tributária, os municípios deixam de arrecadar o Imposto sobre Serviços (ISS), e ficam com as receitas totais do Imposto sobre Veículo Automotor (IPVA) – hoje, as prefeituras recebem metade dessa arrecadação - e do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCDM), atualmente de competência dos Estados. 

De acordo com o levantamento, a região Sudeste é a que mais perderia receita orçamentária, com um recuo de 6,96%, seguida da região Norte, com 5,05%, Nordeste, com 3,85%, Centro-Oeste (2,52%) e Sul (1,59%). Na distribuição dos municípios de acordo com os Estados, a queda na arrecadação ocorre em todos, de acordo com o levantamento

BREMAEKER: UNIÃO VAI FICAR COM FILÉ MIGNON

São poucos os casos de municípios em que a diferença entre o valor da metade adicional do IPVA supera o que seria arrecadado pelo ISS. Neste caso, a proposta de reforma tributária é favorável.  

Porém, para os municípios em que o valor da diferença é negativo, o economista sugere que os prefeitos se informem junto aos Estados sobre a arrecadação do ITCDM no território do seu Município.

Somente fazendo as contas será possível avaliar os efeitos positivos ou negativos da proposta do governo. 

Entre os 246 municípios em que a probabilidade de perda de arrecadação é maior devido tanto à falta de compensação pela extinção do ISS ou na distribuição das transferências do IVA, em substituição ao ICMS, a partir do momento em que passar a vigorar a regra de tributação no destino, estão: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Salvador, Barueri, Porto Alegre, Macaé, Recife e Campinas, entre outros.

FILÉ MIGNON 

Na visão de Bremaeker, no desenho do novo sistema tributário, a União fica com o “filé mignon” do ICMS, numa referência à criação do Imposto Seletivo, de competência federal, que incidirá sobre energia elétrica, combustíveis, cigarros e serviços de telecomunicações.

“Sabidamente, esse imposto vai arrecadar muito mais que o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado)”, afima.

A pesquisa feita pelo consultor levanta várias dúvidas sobre o projeto do governo. O chamado IVA, por exemplo, que na proposta será criado com a fusão de 10 tributos, deverá ter uma alíquota muito alta para compensar a perda da dezena de tributos que deixarão de existir.

"Com isso, o setor de serviços, que hoje recolhe o ISS com base em alíquotas que variam de 2% a 5%, certamente terá aumento expressivo da carga tributária", afirma.

Os Estados também correm risco de perder arrecadação, caso o IVA não consiga compensar a metade do IPVA que, no projeto, passará para os cofres dos municípios. Isso sem falar do ITCDM, atualmente de competência estadual, e do ICMS.

O economista também chama a atenção para um outro aspecto no projeto, que diz respeito à alteração na forma de cobrar o ICMS. No texto, a cobrança passará da origem para ao destino numa segunda etapa da reforma, com o intuito de acabar com a guerra fiscal.

“Em princípio, haverá perdas para alguns Estados, que certamente farão pressão para aumentar a alíquota”, analisa.

A IMPORTÂNCIA DO ISS

Em 2015, o ISS foi responsável, em média, por 54,06%, ou seja, mais da metade do montante da receita tributária municipal. Nos municípios com mais de cinco milhões de habitantes, a participação atinge 60,26%.

Em muitas cidades brasileiras, o ISS é o carro-chefe das finanças. Uma das peculiaridades desse tributo é que o seu valor cresce à medida que aumenta o porte demográfico da região.

De acordo com o trabalho, a média nacional é ultrapassada apenas pelos municípios com população superior a 200 mil habitantes, que somam 146 municípios.

Dos R$ 52,807 bilhões arrecadados em 2015 com o ISS, 65,45% está concentrado na região Sudeste. A segunda região em importância é a Nordeste, onde foi arrecadado 13,55% de todo o ISS do País, seguida da região Sul (11,52%), Norte (4,96%) e Centro-oeste (4,52%), cujos dados referentes ao Distrito Federal não foram computados.

As regiões Norte e Nordeste são as que apresentam maior participação

do ISS na arrecadação tributária municipal. Isso porque a arrecadação dos demais impostos é relativamente baixa, principalmente o IPTU.

A região Sudeste apresenta uma participação muito próxima da média nacional e as demais regiões apresentam participações abaixo da média nacional, neste caso os valores são influenciados pela maior arrecadação do IPTU.

A PROPOSTA DO GOVERNO 

A proposta de reforma tributária prevê a extinção de 10 tributos (IPI, IOF,CSLL, Pis/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, todos federais, ICMS, que é estadual, e o Imposto sobre Serviços, de competência municipal).

Para substituí-los, será criado um imposto sobre valor agregado, em princípio chamado de IVA e que ganhou recentemente o nome de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).

Além desses, propõe-se a criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços específicos, de competência da União, como petróleo e derivados, combustíveis e lubrificantes, energia elétrica e telecomunicações. 

Além da fusão ou extinção de tributos, o texto altera as competências tributárias da União, Estados, Distrito Federal e municípios. Com o objetivo de evitar eventuais perdas na arrecadação entre estados e municípios, o relator propõe a criação de dois fundos.

François de Bremaeker
Economista

 

Terça, 17 Outubro 2017 13:49

Reforma Tributária à brasileira

Proposta de adotar o IVA é posicionamento que expõe de alguma forma uma condição de inferioridade do país frente a outras economias

Alguns políticos e economistas acreditam que, desde que o Brasil começou a debater uma reforma tributária ampla no início dos anos 90, o momento mais propício para ela avançar é agora. Nesse cenário, surgiram novamente os defensores do projeto que pretende criar um grande Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal no país, uma proposta burocrática que pode aperfeiçoar nosso obsoleto sistema de impostos e contribuições, como satirizou há quase 20 anos Roberto Campos quando a Câmara dos Deputados já ensaiava instituí-lo.

Os adeptos do IVA dizem com frequência que esse é o modelo a ser adotado pelo Brasil porque ele é usado pelos países mais “relevantes” do mundo. É algo como se dissessem que, se é bom para eles, também será para nós. É um posicionamento que expõe de alguma forma uma condição de inferioridade do país frente a outras economias. A situação nos remete ao chamado “complexo de vira-lata", expressão criada por Nelson Rodrigues.

Em relação à ideia de que o Brasil tem que sair copiando o que os outros fazem, cabe destacar o que disse o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel no artigo “O equívoco da reforma tributária”, publicado em 5 de outubro último no “Estado de S.Paulo”. O autor afirma que “não se pode esquecer da nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias”. Seu raciocínio avança especificamente para o aspecto tributário quando complementa dizendo: “O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o IVA”.

O artigo de Everardo Maciel segue destacando um ponto importante no debate a respeito da reforma tributária, que é a pouca ênfase que se dá à burocracia que reina no país. Ele a inclui entre os problemas mais graves dizendo: “...pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário”. Considerando a questão burocrática, que dá margem a fraudes que só no ICMS, um IVA estadual, ultrapassam os R$ 110 bilhões, conforme estima o Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, é difícil imaginar que o IVA federal, cuja alíquota se aproximaria de 25%, seja a solução para uma das nossas anomalias mais gritantes, que é a evasão de arrecadação. Oportunamente, Maciel finaliza seu texto recorrendo a Albert Einstein, que dizia: “É insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

A ideia de que países “relevantes” adotam o IVA, e o Brasil tem que fazer o mesmo, não pode deixar de ser confrontada com fatos observados nas duas principais economias do planeta. Nos Estados Unidos, esse imposto não existe. Eles jamais se aventuraram nessa forma de tributação. O outro caso se refere à Europa, onde esse tributo se tornou um problema por conta de sua característica marcante, que é a burocracia, abrindo brechas para fraudes de toda ordem. No fim de setembro deste ano, a Comissão Europeia divulgou um comunicado à imprensa dizendo que o IVA gerou perdas de 152 bilhões de euros para os países-membros daquela comunidade em 2015.

A cultura nacional e a nossa estrutura econômica nos impõem um modelo tributário próprio. Insistir no IVA fará com que, num prazo não muito distante, o tema reforma tributária esteja novamente na agenda do país. 

Marcos Cintra 
Professor da Fundação Getúlio Vargas e presidente da Finep.

Terça, 17 Outubro 2017 13:47

O Equívoco da Reforma Tributária

Todos os sistemas tributários são imperfeitos, pois resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos Parlamentos. Não são maquetes ou aplicativos. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais numa sociedade.

Essa complexidade, por sua vez, é crescente, pois os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original. A imperfeição e a complexidade, todavia, estimulam ideias voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas visando a eliminá-los ou mitigá-los. Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões megalomaníacas de reforma tributária. Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para a decisão sobre investimentos privados. Em entrevista à Veja (27/9), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação quanto à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável. Em entrevista ao Financial Times, veiculada no Valor (28/4), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer da nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias. O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Enquanto isso, pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário. A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.

É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados. O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo, etc. É um absurdo. O processo, do lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.

Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos. Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça mostra que, dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça, cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a urgente reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Mas ela não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário. Recorro a Einstein: “É insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Everardo Maciel
Consultor Tributário. Ex-Secretário da Receita Federal (1995-2002)

Apresentada inicialmente em 2008, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 233, que estabelece novas regras para o sistema tributário nacional, voltou a ser debatida no Congresso Nacional este ano. O texto tem relatoria do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e propõe, entre outras medidas, a fusão de impostos hoje praticados e o aumento gradativo dos impostos sobre a renda e sobre o patrimônio. 

Para a procuradora do Município de Porto Alegre Cristiane da Costa Nery, a medida prejudica a autonomia dos municípios. Isso porque extingue o Imposto Sobre Serviços (ISS), considerado por ela a principal arrecadação no âmbito municipal, e transfere essa tributação para o Estado - com a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) -, que ficará responsável pelo repasse da parte que seria equivalente ao ISS. 

"É importante frisar: o contribuinte vai continuar pagando o tributo, só que vai pagar para o Estado", destaca Cristiane. Com a mudança proposta, ela projeta uma situação semelhante a que já existe hoje com os repasses constitucionais da União. 

"Os municípios vão ficar reféns do repasse de recursos", avalia. 

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a procuradora defende que, antes de uma reforma tributária com o texto apresentado, "que não está prevendo a questão de acabar com a sonegação, de ter justiça tributária e justiça fiscal", os parlamentares deveriam se debruçar sobre uma reforma política séria e a revisão do pacto federativo "para ter uma forma justa de repartição e aí se trabalhar com uma justiça tributária para o contribuinte". 

Jornal do Comércio - Por que começar a discutir a reforma tributária agora e qual a relação com os municípios? 

Cristiane da Costa Nery - A PEC da reforma tributária é bastante antiga, foi apresentada em 2008 como PEC 233, e agora foi apresentado um texto preliminar pelo deputado federal Luiz Carlos Hauly que propõe a reforma tributária no País. De inovação, esse texto propõe uma simplificação do sistema tributário, ou sustenta que há uma simplificação, propõe a extinção de alguns tributos com a criação de novos e agregar alguns já existentes em um único. Para os municípios, a proposta prevê a extinção do ISS, que passa a ser incorporado ao Imposto sobre Valor Agregado, no âmbito do Estado e que não existe ainda, vai ser criado. Este IVA vai abranger vários outros, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o ISS, por exemplo. Então o ICMS também vai ser extinto. Só que o Estado ganha o IVA em substituição. Já o município perde o ISS e não ganha nenhum outro tributo de capacidade arrecadatória própria. Fica só com IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis). Isso, para os municípios, é gravíssimo, porque perde autonomia sobre esse tributo, tem uma perda financeira em investimento com recursos próprios, fiscalização especializada etc., e mais, tem muitos municípios que a arrecadação de ISS é superior à arrecadação de IPTU. Isso vai gerar uma perda financeira enorme e de forma imediata, ainda que ocorra um repasse pelos estados, o município vai perder o comando do seu imposto, porque ele vai ter que ser repassado. 

JC - Como vai impactar nos municípios a retirada do ISS? 

Cristiane - Com a Lei nº 157, do final do ano passado e que entrou em vigor em maio deste ano com a derrubada do veto do presidente, muda a distribuição do ISS em compras com cartões de crédito e débito, que era tributado na sede da empresa do cartão de crédito. Porto Alegre, por exemplo, ganhava com toda a tributação de ISS do Banrisul, porque a sede é aqui. Com a alteração da lei, passa a ser tributado no município que tem a maquininha, o tomador de serviço, a loja que está vendendo. Toda a tributação do Banrisul vai passar a ser dividida por todos os municípios que têm a maquininha do Banrisul. Porto Alegre imediatamente perde, mas também ganha com tributação das outras bandeiras que não têm sede aqui, mas são usados aqui. É um tributo importante, foi uma luta dos prefeitos para redistribuir. Aí vem uma reforma que retira da esfera de capacidade tributária própria do município. O imposto não deixa de existir, isso é importante frisar: o contribuinte vai continuar pagando o tributo, só que vai pagar para o Estado, dentro do IVA. E o Estado vai repassar o que é cabível de ISS aos municípios, só que vai cobrar conforme a sua possibilidade de cobrança. Hoje temos no município de Porto Alegre, por exemplo, uma equipe de auditores fiscais especializada em cobrança de ISS. O Estado não dispõe desse profissional e não vai priorizar a cobrança de um imposto que não vai ficar no seu caixa. Acontece o mesmo com o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), que é repassado para os municípios que têm a placa do carro naquela localidade, mas o Estado não prioriza a cobrança desse imposto. Os municípios vão ficar reféns do repasse de recursos. Já se é refém dos repasses constitucionais da União e dos estados. Cada vez mais se enxuga a capacidade tributária. 

 JC - No repassar, União e Estado retêm uma parte? 

Cristiane - O que é referente a ISS vem para o município, a princípio. O texto preliminar dessa proposta trabalha com a ideia de simplificação do esquema tributário que hoje é complexo, mas na verdade mantém a complexidade. É muito parecido com o Simples Nacional. Hoje a União arrecada e a empresa que opta por esse sistema paga 2% referente a ISS, dentro dos impostos que estão agregados, e a União repassa para os municípios. Dentro desse exemplo, falando em cobrança, em Porto Alegre, trabalhamos com um limite para ajuizamento de execução fiscal em torno de R$ 6 mil - abaixo desse valor, o custo tende a ser maior que o valor a receber, então adotamos outros meios de cobrança. O limite de cobrança de execução da União é bem mais alto: de R$ 20 mil. Então a União não vai cobrar esse valor de ISS que está ali embutido porque para eles é um valor muito baixo. Aí o município tem que fazer um convênio com a União, para que ela repasse quais são os contribuintes que deixaram de pagar o Simples Nacional, e que portanto se possa cobrar judicialmente pelo município, porque a União não vai fazer. Nesse caso, para o contribuinte continua existindo, o município perde a esfera de comando do tributo e ainda fica esperando a União nos informar para ver o que vale a pena cobrar ou não. Outro aspecto é a demora. O ISS é um tributo que se demorar para fazer a cobrança, a empresa já fechou as portas, foi embora, e o município perdeu. Então se tem por hábito, vencido o prazo e feita mais uma cobrança sem pagamento, executar a empresa, que é para não perder a capacidade de cobrança. Se demorar nesse repasse de informação, por exemplo, já se perdeu uma grande chance de reaver em cobrança judicial. 

JC - Considerando o Interior, como fica a chance de conseguir se articular melhor dentro dessa proposta? 

Cristiane - Diminui muito. Aqueles de pequeno porte não têm estrutura hoje, como as capitais têm, para cobrança de ISS, por exemplo. Muitos desses municípios estão vendo essa proposta como benéfica, porque alguém vai repassar um dinheiro alguma hora. Mas, se pensar sob esse aspecto, a perda de autonomia daquele município vai ser cada vez maior, ele vai ter cada vez menos condição de se manter e cada vez mais estará lá em Brasília, com o pires na mão, pedindo repasse porque não vai ter condição de se sustentar. 

JC - Hoje, a senhora avalia que existe essa autonomia aos municípios? 

Cristiane - Os municípios têm, constitucionalmente falando, autonomia. Mas quando se vislumbra que o município tem maior número de competências e cada vez mais necessidade de prestação de serviços sem a devida contraprestação financeira, se vê que a autonomia fica muito no papel. Pela Constituição de 1988, várias questões foram municipalizadas, como saúde, educação e assistência social. Quantos prefeitos estão batendo na porta do presidente da República para pedir linhas de crédito, financiamentos internacionais, para pedir alguma forma de financiar suas políticas públicas... Antes de se fazer uma reforma tributária, que não está prevendo a questão de acabar com a sonegação, de ter justiça tributária e justiça fiscal, seria o caso de fazer uma reforma política de verdade e rever o pacto federativo, que efetivamente privilegie a localidade, a comunidade que tem que prestar o serviço público. Isso vai obviamente bater na repartição do bolo tributário, que tem que ser revisto. Hoje o município fica com 18% do que é arrecadado em impostos, o resto fica com a União e os estados para redistribuir, e os municípios é que tem que prestar esses serviços básicos. O pacto federativo tem que ser revisto, para ter uma forma justa de repartição e aí se trabalhar com uma justiça tributária para o contribuinte. Porque o contribuinte não acha justo o tributo. Para achar que realmente tem que pagar aquele imposto, ele precisa saber que está revertendo em serviços. A revisão desse pacto federativo e da repartição do bolo tributário no País têm que andar juntas, se não a reforma tributária não vai ser efetiva. 

JC - Como se faria uma revisão do pacto federativo?

Cristiane - Tem que ser por ação do Congresso Nacional, com uma emenda constitucional, porque os repasses são previstos na Constituição. 

JC - Considera a reforma que está sendo recuperada agora adequada? 

Cristiane - Com esse texto preliminar do deputado Hauly, não. Eu, como procuradora do Município, vejo um prejuízo enorme. E mais uma vez vamos retirar poder local para concentrar na União e nos estados, e aí os municípios ficam cada vez mais combalidos financeiramente, sem recursos para políticas públicas, e aí falta vaga em hospital, em creche, em escola. É um reflexo enorme para a população, que não pode ficar alheia a essa discussão. No momento que se tem uma reforma tributária que privilegia a União, é óbvio que vai ter reflexo na vida de cada um, porque o município que presta os serviços. É essa repartição tributária que temos que cuidar, porque vai refletir na prestação dos serviços. Não há nenhuma avaliação se é esse o texto que vai vingar, mas é um texto preliminar muito ruim, na minha visão de município.

JC - A senhora falava do diálogo com a população. Como se faria esse argumento? Por outro lado, uma reforma tributária que equilibre a repartição dos impostos e repasse uma cota maior aos municípios, pode vir a gerar maior prestação de serviços? 

Cristiane - Penso que sim. Sempre acredito que as pessoas que ocupam cargos públicos estão ali capacitadas e com intenção de bem aplicar os recursos em prol da população. Uma reforma tributária que tenha uma melhor justiça fiscal, que equalize a questão da distribuição de recursos e que privilegie os municípios que são os grandes prestadores de serviços públicos podem resultar em benefício direto para a população. E a população tem que estar atenta, porque é uma questão de cidadania. É na prefeitura que a pessoa vai bater na porta e dizer que "na minha rua o esgoto está aberto", "na minha rua tem buraco", "no meu posto de saúde não tem médico". É onde as pessoas vivem que tem que estar adequado. Porque estado e União são ficções jurídicas, não se tem concretude nos entes. Obviamente são importantíssimos na Federação, mas têm atuações mais distantes das questões básicas que a população precisa. Tanto é que o orçamento do município é o único debatido na Câmara com audiências públicas, com a possibilidade de emendas, de priorização de aplicação. Esse sentimento de localidade que a Constituição de 1988 trouxe, que deu autonomia para os municípios para que o interesse local seja privilegiado, é o sentimento que a população tem que ter. Qual o meu interesse? É que a minha cidade esteja condições para que eu sobreviva, consiga me mover, ter saúde... Quem vai prestar isso de forma básica e em primeiro lugar é o município. Nesse aspecto a população tem que enxergar que a reforma tributária pode impactar, e que a repartição e repasse de tributos constitucionais também pode impactar. 

Cristiane da Costa Nery 
É Procuradora do Município de Porto Alegre. 

 

A reforma tributária em discussão na Câmara aprofunda as desigualdades

No “debate nacional” protagonizado pelos donos do poder é necessário insistir no óbvio. Foi o que fez o economista francês Thomas Piketty em sua recente passagem por aqui: “O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir a desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide social”.

Destacou que somos “um dos países mais desiguais do mundo”, só superados pela África do Sul e por alguns países do Oriente Médio, segundo as medições do instituto de pesquisa que dirige, o World Wealth and Income Database.

Para o autor de O Capital no Século XXI, a saída passa pela correção da crônica injustiça do sistema tributário e pelo aprofundamento das “políticas sociais adotadas nos últimos anos”. A mediocridade da agenda de reformas no Brasil caminha, porém, na contramão dos truísmos reafirmados por Piketty. Um dos objetivos da radicalização do projeto neoliberal em curso é a destruição do Estado Social inaugurado em 1988. No último país das Américas a abolir a escravidão, argumenta-se que as demandas sociais da democracia “não cabem no orçamento”.

Este processo de destruição pela asfixia financeira está sendo encenado pelo “teto” dos gastos públicos até 2036, pela ampliação da desvinculação constitucional de recursos para o gasto social (de 20% para 30%); e pela reforma da Previdência, que deve extinguir o direito básico à proteção na velhice.

O último suspiro da proteção social provavelmente virá da reforma tributária em tramitação no Congresso. Em primeiro lugar, ela não enfrenta as injustiças do sistema de impostos. Nenhuma atenção é dada ao essencial, contrariando a experiência de muitos países desenvolvidos há mais de um século: alíquotas mais altas do Imposto de Renda, combate às isenções para rendas de capital (como os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas) e taxação sobre transações financeiras, herança, patrimônio e grandes fortunas.

Em segundo lugar, a reforma extingue diversos tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, CIDE-Combustíveis, ICMS e ISS), a serem substituídos por um imposto sobre o valor agregado de competência estadual (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, IBS) e outro sobre bens e serviços específicos, de alçada federal (Imposto Seletivo, IS).

A simplificação do sistema de impostos é necessária. O problema é que os tributos constitucionalmente vinculados para a proteção social estão sendo extintos e substituídos por novos tributos sem vinculação. Caminha-se no sentido de desmontar as bases de financiamento das políticas sociais asseguradas pela Constituição de 1988 (CSLL, PIS, Pasep, Cofins) e por legislações anteriores (Salário-Educação).

A concretização dessas mudanças fragilizará o financiamento da Educação e o orçamento da Seguridade Social, afetando a sustentação dos gastos em setores como Previdência Social, Assistência Social, Saúde e Seguro-Desemprego.

Na prática, o “Teto de Gastos”, a ampliação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e a reforma tributária acabam com as vinculações constitucionais de recursos para as políticas sociais. Esse fato acentuará a assimetria entre a captura de recursos públicos pelo poder econômico e pela sociedade.

A história aponta vários exemplos nesse sentido. Observe-se que desde a Constituição de 1934 tem prevalecido a obrigatoriedade constitucional de se aplicarem no setor educacional porcentuais mínimos das receitas de impostos da União, dos estados e dos municípios.

A ditadura desobrigou os governos federal e estaduais dessa vinculação. Em consequência, declinaram os gastos com educação dessas instâncias.

Esse fato contribuiu para a aglutinação de grupos políticos e ideológicos de diferentes correntes em torno de um movimento reivindicando “mais verbas para a educação”. Diante desse cenário, ocorre, em 1976, a primeira tentativa de aprovar sua emenda nesse sentido, de autoria do senador João Calmon. Em 1983, a Emenda Calmon foi reapresentada e aprovada pelo Congresso. Posteriormente, a Constituição de 1988 restabeleceu de vez a prática, inaugurada em 1934.

Outro exemplo emblemático é a experiência do Sistema Único de Saúde no início dos anos 1990, quando o Ministério da Previdência decidiu utilizar integralmente as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de salários para cobrir os benefícios previdenciários.

O buraco na saúde pública permaneceu até 1996, quando o Congresso aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). A área econômica do governo Fernando Henrique Cardoso passou, no entanto, a utilizar os recursos conforme as conveniências da gestão das contas públicas. Nesse cenário, parlamentares defensores do SUS conseguiram aprovar, em 2002, a Emenda Constitucional 29, a estabelecer vinculação dos orçamentos nos três entes federativos.

E o que dizer da Seguridade Social, cujos recursos constitucionalmente vinculados (basta ler com atenção o artigo 195) são desviados para outras finalidades desde 1989? Como se vê, para os donos do poder, vale tudo para capturar recursos públicos. O que acontecerá com o financiamento da proteção social num contexto em que a Constituição não o ampare?

A resposta é igualmente óbvia, sobretudo após o País enveredar pela agenda de reformas “do mercado”, recusando-se a ouvir o que diz Piketty e outros críticos. Pobres “capitalistas” autofágicos, incapazes de “precificar” os custos econômicos, políticos e sociais de não enfrentarem a abissal concentração de renda no Brasil, com um sistema tributário mais justo e progressivo, e com o fortalecimento da rede de proteção social. 

Eduardo Fagnani
Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit) e coordenador da rede Plataforma Política Social.

 

O governo enviou ao Congresso Nacional a proposta de reforma tributária consubstanciada no âmbito de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), com objetivos de simplificar, eliminar tributos e acabar com a “guerra fiscal” entre os estados. Contudo, o debate sobre a reforma tributária deveria ser pautado pela retomada dos princípios da equidade, da progressividade e da capacidade contributiva no caminho da justiça fiscal e social, priorizando a redistribuição da renda. As tributações da renda e do patrimônio nunca ocuparam lugar de destaque na agenda nacional e nos projetos de “reformas tributárias” após a Constituição de 1998. Assim, é mais do que oportuno a recuperação dos princípios constitucionais basilares da justiça fiscal (equidade, capacidade contributiva e progressividade). A tributação é um dos melhores instrumentos de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, que constituem objetivos essenciais da República esculpidos na Carta Magna.

A PEC da reforma tributária não aponta para a construção de um sistema tributário progressivo, pautado pela tributação da renda e do patrimônio. Os principais pontos da reforma tributária são:

a) a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA-F), com a extinção de cinco tributos federais (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, a contribuição para o Programa de Integração Social – PIS, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis – CIDE e a contribuição social do salário-educação);

b) a incorporação da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ);

c) a redução gradativa da contribuição dos empregadores para previdência social, a ser realizada nos anos subseqüentes da reforma, por meio do envio de um projeto de lei no prazo de até 90 dias da promulgação da PEC;

d) a unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), a ser realizada por meio de lei única nacional e não mais por 27 leis das unidades da federação;

e) a criação de um Fundo de Equalização de Receitas (FER) para compensar eventuais perdas de receita do ICMS por parte dos estados;

f) a instituição de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), permitindo a coordenação da aplicação dos recursos da política de desenvolvimento regional.

O principal objetivo da reforma é a simplificação da legislação tributária tanto por meio da redução das legislações do ICMS, quanto pela eliminação de tributos, trazendo maior racionalidade econômica e reduzindo as obrigações acessórias das empresas com custos de apuração e recolhimento de impostos. Além disso, a cobrança do ICMS no Estado de destino da mercadoria deverá eliminar a “guerra fiscal”.

A criação do IVA-F vai reduzir a cumulatividade do sistema tributário. Hoje a CIDE-Combustíveis e parte da arrecadação da COFINS e da Contribuição do PIS é cobrada diversas vezes sobre um mesmo produto, isto é, em todas as etapas de produção e circulação da mercadoria. O IVA-F tributa apenas o valor adicionado em cada estágio da produção e da distribuição, sendo o valor do tributo podendo ser definido pela diferença entre o preço de venda do produto e o custo da aquisição, nas diversas etapas da cadeia produtiva. Em ambos os modelos, o tributo é repassado ao preço de venda do bem e do serviço sendo pago, portanto, na maioria das vezes pelo consumidor final.

Nesse sentido, em que pese importantes avanços para as empresas, com a simplificação do recolhimento tributário que poderá resultar no aumento da eficiência econômica e da produtividade, a PEC não modifica a estrutura regressiva do sistema tributário brasileiro. O que ocorre é a alteração da regulação dos tributos indiretos do regime cumulativo para a incidência sobre o valor adicionado. Porém, não se pode esquecer que a principal marca do sistema tributário brasileiro é a sua enorme regressividade, que permanece sem alterações substanciais na proposta de reforma tributária.

Para compreender a regressividade e a progressividade é necessário avaliar as bases de incidência econômica, que são: a renda, a propriedade, a produção, a circulação e o consumo de bens e serviços. Conforme a base de incidência, os tributos são considerados diretos ou indiretos. Os tributos diretos incidem sobre a renda e o patrimônio, porque, em tese, não são passíveis de transferência para terceiros. Esses são considerados impostos mais adequados para a questão da progressividade. Os indiretos incidem sobre a produção e o consumo de bens e serviços, sendo passíveis de transferência para terceiros, em outras palavras, para os preços dos produtos adquiridos pelos consumidores. Eles é que acabam pagando de fato o tributo, mediado pelo contribuinte legal: empresário produtor ou vendedor. Como o consumo é proporcionalmente decrescente em relação à renda, conforme ela aumenta prejudica mais os contribuintes de menor poder aquisitivo. Com isso, a população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta, pois mais da metade da arrecadação tributária do país advém de impostos cobrados sobre o consumo, o que não é alterado pela proposta de reforma tributária ora apresentada.

Outra implicação importante da reforma tributária diz respeito ao financiamento da seguridade social, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da educação básica (salário educação). Os três mais importantes tributos que financiam a seguridade social no Brasil serão modificados. A COFINS e a CSLL serão extintas e haverá desoneração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento, por meio de legislação específica, após as mudanças constitucionais.  Para a seguridade social passam a ser destinados 38,8% do produto da arrecadação dos impostos sobre renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operações com bens e prestações de serviços (IVA-F). Esse percentual é equivalente a proporção entre a arrecadação da COFINS e da CSLL e a receita arrecadada, em 2006, com IR, CSLL, COFINS, PIS, CIDE, Salário-educação e IPI.

Essa modificação é o sepultamento da diversidade das bases de financiamento da seguridade social inscrita no Artigo 195 da Constituição de Federal (CF) de 1988, que ampliou o financiamento da previdência, saúde e assistência social para além da folha de salários, incluindo, a receita, o faturamento e lucro. A partir da reforma, restará inscrito no Art. 195 da CF, como base de financiamento da seguridade social, a contribuição sobre a folha de salários, a contribuição do trabalhador para a previdência social e a receita de concursos e prognósticos, sendo que a contribuição sobre folha de pagamento deverá ser reduzida ao longo dos próximos anos. Portanto, a idéia de orçamento de seguridade social diversificado em fontes de financiamentos retroagirá a situação anterior a da CF. Com isso, haverá perda da exclusividade de recursos para a seguridade social, que poderá ficar fragilizada em seu financiamento, dependendo de uma partilha do IVA-F e da arrecadação das contribuições previdenciárias.

Apesar da insignificante arrecadação dos impostos que têm incidência sobre o patrimônio, que responderam, por exemplo, em 2007, por apenas 3,3% do montante arrecadado em tributos, a proposta de reforma tributária silenciou-se sobre o assunto. Convém lembrar que as 5 mil famílias mais ricas do Brasil têm em patrimônio algo em torno de 40% do PIB brasileiro.

O Brasil deve buscar um modelo tributário que assegure a sustentação do Estado e que priorize os Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAs). A reforma tributária deveria começar pela reafirmação de diversos princípios tributários já estabelecidos na Constituição brasileira e que nos últimos anos não vêm sendo observados. O pilar do sistema tributário deve ser o Imposto de Renda, pois é o mais importante dos impostos diretos, capaz de garantir o caráter pessoal e a graduação de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, além da expansão da tributação sobre o patrimônio. O sistema tributário não pode conceder tratamento privilegiado à renda dos capitalistas, de forma que todos os rendimentos de pessoa física devam ser feitos obrigatoriamente na tabela progressiva do IR, que deveria ser ampliada em números de faixas e alíquotas. A política tributária há de ser, antes de tudo, um instrumento de distribuição de renda e indutora do desenvolvimento econômico e social do país.

Evilásio Salvador
Assessor de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc.

 

O Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) está num processo de catequização. Segundo as próprias contas, já fez 76 palestras para apresentar os principais pontos de sua proposta de reforma tributária, que tramita em comissão especial da Câmara. Vinte delas foram em São Paulo, como a que aconteceu na noite de segunda-feira (29/8) no hotel Renaissance, na região da avenida Paulista, a convite do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (Cesa).

A ideia do deputado é simplificar os impostos sobre consumo em um só, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) cobrado no destino da mercadoria, extinguindo o ICMS e o ISS, e voltar com os impostos seletivos para alguns setores, como telefonia, energia elétrica, serviços de comunicação, bebidas, eletroeletrônicos etc. Em contrapartida, propõe aumentar gradativamente a tributação sobre renda e patrimônio e a acabar com as contribuições sociais, com IOF e com a Cide. Segundo ele, a reforma vai fazer com o que o Brasil volte a crescer entre 5% e 7% ao ano.

“O Congresso está receptivo. Deputados e senadores que colocaram o voto em risco aprovando teto de gastos, reforma trabalhista, denúncia do presidente, vão querer aprovar isso”, afirma o deputado. 

“O próximo presidente não terá condições de aprovar essa reforma. A pior hora do país, com crise política e econômica, é o melhor momento para fazer isso”, analisa. “Setembro é o mês da negociação.”

Até agora, no entanto, as ideias têm pouca aceitação entre especialistas. O economista Bernard Appy, convidado da discussão da segunda, por exemplo, é contra. 

“Entendo o saudosismo com o imposto único, mas um imposto seletivo monofásico gera cumulatividade relevante, o que acaba com a transparência e, obviamente, prejudica a competitividade das empresas”, afirmou, depois de dizer ter “muitos pontos de convergência” com a proposta de Hauly. É que o texto não define se os contribuintes dos impostos seletivos estarão isentos do IVA, já que hoje diversos dos setores descritos pelo deputado pagam ICMS e ISS.

O advogado Pedro Lunardelli, sócio do Advocacia Lunardelli e coordenador do comitê tributário do Cesa, também vê problemas. Segundo ele, o texto do deputado diz que o IVA não se sujeita ao princípio da anterioridade, segundo o qual novos impostos ou majoração de alíquotas só podem começar a valer no exercício fiscal seguinte à sua implantação. 

“Isso contribui muito para a insegurança jurídica. Lembra os anos 1990, quando todos esperavam o dia 31 de dezembro para ler no Diário Oficial o aumento da carga tributária.”

Teto de arrecadação

Hauly explicou que, pela sua proposta, a carga tributária continua a mesma, mas a arrecadação cairá, “porque os impostos vão acabar”. Ele se refere às contribuições sociais e ao ICMS, os principais tributos não pagos no Brasil, segundo estudos do setor. Em sua apresentação aos membros do Cesa, o deputado disse que a sonegação fiscal no Brasil é de R$ 500 bilhões.

“Mas qual a garantia de que a carga tributária não vai aumentar? Sugiro que isso fique descrito no projeto de reforma”, disse o professor de Direito Financeiro da USP Fernando Scaff. É uma ideia que ele já defende há algum tempo, especialmente depois que começaram os debates a respeito do teto de gastos para o Executivo Federal, conforme já escreveu na coluna que mantém na ConJur.

O maior argumento a favor do teto de gastos é que o governo federal, ao longo dos anos, vinha gastando mais do que arrecadava, o que pressionava as contas públicas e inviabilizava a gestão fiscal. Mas, segundo Scaff, quando a economia voltar a crescer, a arrecadação também voltará. 

“Logo, é necessário estabelecer um limite arrecadatório para os diversos governos, por meio do qual eles sejam obrigados a reduzir a carga tributária no ano posterior ao que o teto seja rompido”, escreveu em novembro de 2016.

Bernard Appy concorda com o professor: seguindo o que está no texto da proposta, não há garantias de que a carga vá se manter. 

“Hoje sabemos, mas com o novo sistema não temos como saber. É impossível fazer essa conta — e posso falar porque faço isso da vida.”

Pedro Canário
Editor da Revista Consultor Jurídico.

 

Desde a década de noventa a bandeira da reforma tributária vem sendo agitada periodicamente como um pretexto para elevar o peso da carga tributária. É assim que o nível de imposição tributária de 27% passou para os atuais 36% do PIB, o que torna o Brasil o país que mais tributa no planeta se levada em conta a falta de retorno em termos de prestação de serviços públicos.

Com o desarquivamento da PEC nº 31/07, coincidindo com a sua divulgação pelo ilustre Relator, o insigne Deputado Luiz Carlos Hauly, veio à luz a elevação das alíquotas do IOF e a recondução das alíquotas do PIS/COFINS-Importação incidentes sobre derivados de petróleo, como alternativas para recriação da CPMF ou implantação do IGF. Se declarada a inconstitucionalidade do Decreto nº  9.101/17 pode-se ter a certeza de que aumentos de outros tributos (contribuições sociais e imposto de renda [1]) virão em face da espantosa precariedade dos serviços públicos essenciais por falta de recursos financeiros que, entretanto, nunca faltaram para sustentar uma máquina administrativa inchada,  ociosa e ineficiente.

Só que a sociedade pagante não mais suporta o peso da carga tributária que desde a década de noventa não pára de crescer. É preciso interromper de vez o círculo vicioso: aumento de tributos que causa a recessão econômica que provoca queda de arrecadação que, por sua vez,  conduz ao novo aumento tributário que causa, igualmente, uma nova recessão. Por que não experimentar baixar drasticamente a carga tributária para causar a expansão de economia que propicie uma arrecadação razoável?

Os tributos visíveis, isto é, aqueles que têm enquadramento em uma das cinco espécies tributárias, somados aqueles inominados ou clandestinos consomem o equivalente a 50% da receita bruta. E destes 50% mais da metade representam tributação sobre o consumo embutida nos preços das mercadorias e dos serviços. Aliás, os ditos tributos visíveis não são tão visíveis assim, por conta do nebuloso regime de tributação por dentro, em contraposição à tributação por fora que prima pela transparência à medida que separa o preço da mercadoria ou do serviço do valor do tributo pertencente ao fisco. Esse regime transparente não é adotado pelo sistema tributário brasileiro porque inviabiliza a sonegação fiscal e nem suscita discussões de teses jurídicas homéricas e empolgantes para serem lentamente dirimidas, caso a caso, pelo Poder Judiciário em atendimento aos pleitos formulados por advogados criativos que partem em socorro às empresas sufocadas pelo peso da tributação. No nosso modo de entender fazer o tributo incidir sobre si próprio [2] é bem pior do que incluir o valor de um tributo na base de cálculo de outro. Mas, a nossa proposta de acrescer o § 8º ao art. 150 da CF vedando a inclusão do valor do tributo na sua base de cálculo e na de outros tributos nunca foi levada a sério. Há uma insuperável cultura da nebulosidade tributária que vem de tempos imemoriais.

Por conta deste sistema nebuloso, somente para citar, na tarifa de energia elétrica tributada pelo ICMS (25% contra os 18% das demais mercadorias), PIS, COFINS e COSIP, sem que o consumidor saiba,  estão embutidos os encargos financeiros referentes a TUSD – Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica; TUST – Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica; CCC – Conta de Consumo Combustível; RGR – Reserva Global de Revisão; CFURH- Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos; ESS – Encargo de Serviços do Sistema; ONS – Taxa de Operador Nacional do Sistema; EER – Encargo de Energia Elétrica; e P & D – Investimentos em Pesquisas e Desenvolvimento e Eficiência Energética; e CDE – Conta de Desenvolvimento Energético dos Estados. Todos os valores desses encargos são repassados à tarifa de energia que é a base de cálculo do ICMS.

Quanto a TUSD e  a TUST, na verdade, TRASTES,  o STJ já determinou a exclusão desses valores da base de cálculo do ICMS (AgRg no REsp nº 1408485/SC),  ao passo que,  a CDE é objeto de ação declaratória de inexigibilidade impetrada pela Fiesp e pela Ciesp perante 16ª JF de Brasília, onde foi deferida a tutela antecipatória para determinar a exclusão do valor desse encargo da base de cálculo do ICMS (Proc. 0039957-66.2016.4.01.3400/JFDF, 16ª VJF)

Semelhantes penduricalhos estão embutidos nos preços das tarifas telefônicas, igualmente tributadas com alíquota de 25% do ICMS e pelo PIS/PASEP e pela COFINS. São eles: FUSTA –  Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações; FUTTEL – Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações; FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações; outros fundos poderão ser criados a qualquer momento sob diferentes siglas  sem conhecimento da população.

Fala-se, agora, em elevar a contribuição previdenciária dos servidores públicos da União. Estamos de acordo, desde que se mantenha a alíquota de 11% incidente sobre o valor do vencimento básico e confira caráter  extrafiscal em relação às verbas de natureza pessoal, instituindo faixas de tributação progressiva em função do valor e do número de benefícios auferidos: auxílio transporte; auxílio moradia; auxílio alimentação; auxílio paletó; auxílio creche; auxílio excesso de serviços acumulados etc. A alíquota progressiva começaria com modesto 50% progredindo em função dos valores e quantidades de benefícios auferidos até atingir 100%. [3]

Dir-se-ão que isso afugentaria os bons servidores públicos implicando queda de qualidade e eficiência no serviço público. Creio que não, considerando que  cada conquista remuneratória é seguida de maior ociosidade e ineficiência. Os bons servidores públicos dedicam-se com afinco ao serviço público independente dos penduricalhos.  Aliás, o atual teto salarial de 39,2 mil é mais do que suficiente para não desestimular os servidores eficientes e trabalhadores. Normalmente os que  reclamam do “baixo” salário, sempre comparado com os salários do setor privado, são aqueles que  não conseguem uma colocação na iniciativa privada que exige zelo, competência, dedicação, qualidade e produtividade que faltam no setor público. Por isso, se agarram com unhas e dentes aos cargos públicos sustentados pelos contribuintes.

A manutenção de escolas de governo para aperfeiçoamento de servidores públicos de que trata o § 2º, do art. 39 da CF não se confunde com a implantação de uma política de supersalários incompatível com o quadro econômico  recessivo vivenciado pela sociedade em geral.

Kiyoshi Harada
Mestre em Teoria Geral do Processo. Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do Processo. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

Levantamento do economista do Observatório de Informações Municipais, François Bremaeker, aponta que a arrecadação do IPVA e do ITCD podem não compensar o recolhimento do ISS.

São Paulo - A proposta de reforma tributária pode trazer perda de receita para a maioria das prefeituras do Brasil, de acordo com um levantamento realizado pelo Observatório de Informações Municipais.

O pesquisador que assina o estudo, o economista François Bremaeker, afirma que a transferência do Imposto sobre os Serviços (ISS) das prefeituras para a competência estadual não será compensada pela entrega dos outros 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) - hoje as prefeituras já recebem 50% deste tributo via repasse estadual - e pela incorporação do Imposto sobre a Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCD) - atualmente de responsabilidade dos estados.

A proposta de reforma de tributária é de relatoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e ainda está sendo estudada no Congresso. O projeto prevê a extinção de 10 tributos - Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços (ICMS) e ISS - para a criação de uma alíquota sobre o valor agregado, de competência estadual, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e um imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal; e os tributos sobre o patrimônio ficariam com as cidades.

Segundo Bremaeker, apenas 498 municípios não correm risco de perder arrecadação com a mudança, o que representa 8,78% do total. Nas simulações dele, a diminuição de receita em relação ao orçamento municipal atual ocorre em todas as regiões: Sudeste (-6,96%); Norte (-5,05%); Nordeste (-3,85); Centro-Oeste (-2,52%) e Sul (-1,59%). As maiores perdas estão na totalidade das cidades do Rio de Janeiro (-11,01%); São Paulo (-7,68%); Espírito Santo (-6,57%); Pará (-6,01%); Amazonas (-5,93%); Sergipe (-5,93%), enquanto as menores correspondem aos municípios dos estados de Minas Gerais (-0,74%); Rio Grande do Sul (-0,95%); Goiás (-1,88%); Paraná (-1,95%); Tocantins (-2,02%) e Santa Catarina (-2,08%), mostra o estudo.

Essa diferença corresponde à soma do IPVA e do ITCD subtraída do ISS. Bremaeker ressalta que as prefeituras com maior potencial de diminuição de receita são as cidades mais populosas, nas quais a arrecadação de ISS costuma ser mais elevada do que a do IPVA. "Quanto maior o porte demográfico do município, mais sensível ele está à perda de arrecadação. Embora isso ocorra também nos municípios pequenos, nas simulações", diz.

Ganho e perda

Considerando somente a diferença entre o adicional do IPVA e o que hoje os municípios arrecadam com o ISS, a cidade de São Paulo, por exemplo, teria uma contração de receita de R$ 9,7 bilhões; Campinas, de R$ 422 milhões e Barueri, de R$ 740 milhões. No estado fluminense, o cálculo da perda para o município do Rio de Janeiro seria de R$ 5 bilhões, enquanto para a cidade de Macaé, de R$ 691 milhões.

Por outro lado, no estado de São Paulo, prefeituras como as de Birigui (+R$ 4,1 milhões), Embu-Guaçu (+R$ 3 milhões), Bariri (+R$ 2,4 milhões) e Embu das Artes (+R$ 2,4 milhões) poderiam ganhar recursos.

Bremaeker pontua que a complexidade da cobrança do IPVA e do ITCD são problemas adicionais. Enquanto o primeiro possui um elevado nível de inadimplência, o segundo pode demorar anos para gerar arrecadação aos governos.

O especialista do Observatório comenta também que as transferências federais e estaduais previstas na reforma não devem compensar a perda com o ISS, na medida em que esses repasses objetivam apenas "reequilibrar o montante já recebido anteriormente pelas prefeituras brasileiras."

No caso das liberações do governo federal ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por exemplo, Bremaeker afirma que não haverá perda. Este é constituído hoje pelo Imposto de Renda (IR) e pelo IPI e, depois da reforma tributária, pode passar a ser composto pelo IR e pela CSLL, na medida em que o IPI será incorporado pelo IVA estadual (o IBS). "No entanto, o IR corresponde a 85% dos recursos do FPM, enquanto o IPI somente 15%", diz o economista, acrescentando que a receita do CSLL dá conta de recompor o fundo de participação.

A reforma também prevê transferências estaduais do IVA às prefeituras. Porém, Bremaeker destaca que as alíquotas e o montante que será arrecadado pelos estados é incerto. Na sua avaliação, as unidades federativas entrarão em uma batalha para conseguirem restituir o nível de receita com a criação do Imposto Seletivo (de âmbito federal) sobre petróleo e derivados, combustíveis e lubrificantes, cigarros, energia elétrica e serviços de telecomunicações. Segundo ele, a cobrança de ICMS sobre esses produtos é o "filet mignon" dos recursos estaduais.

Além disso, Bremaeker avalia que os estados podem acabar praticando uma alíquota maior do IVA para compensarem perda de receita, o que pode onerar empresas de serviços que são tributadas a uma alíquota de 2% a 5% de ISS. O texto da reforma tributária, por outro lado, prevê a criação de fundos de compensações aos governos regionais.

Por fim, o economista destaca que a cobrança do IVA no destino pode prejudicar municípios produtores. "A possibilidade de perda existe nas regiões Norte (-0,92%), Centro-oeste (-0,84%) e Sul (-0,33%). Os ganhos acontecem nas regiões Sudeste (1,23%) e Nordeste (-0,86%)", mostra o levantamento.

François de Bremaeker
Economista

“A sociedade brasileira não está madura o suficiente para o imposto sobre a renda. Tanto que, de 1964 para cá, vem aumentando a tributação sobre o consumo. Os 20% mais ricos sempre ganham a batalha. Os mais pobres, sem perceber, estão pagando cada vez mais”

Talvez não seja tão fácil, como o governo espera, levar a cabo a reforma tributária. Anda há muitas divergências entre estados e municípios a respeito da distribuição do dinheiro dos impostos e de quem vai gerir o Superfisco, uma nova entidade a ser criada para agregar os fiscos estaduais, e dirigida por um secretário nacional. Hoje, a Federação Brasileira de Sindicatos das Carreiras da Administração Tributária da União, dos Estados e do Distrito Federal Febrafisco e o Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinffazfisco) farão, a partir das 14 horas, o seminário “Reforma Tributária”, para debater com parlamentares e especialistas os impactos das mudanças na vida da população e no trabalho dos servidores de todo o país.

O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), relator da Comissão Especial de Reforma Tributária na Câmara, vai explicar as principais linhas da reforma. No entender de Ricardo Ribeiro, vice-presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim), embora ainda não se tenha um projeto consolidado do Legislativo, pela forma como o debate está sendo conduzido, os municípios serão prejudicados. Ele contou que, atualmente, a carga tributária do Brasil, de 33,8%, equivale a 8% do Produto Interno Bruto, e só cabe ao município uma pequena parte desse total.

Carga tributária

“A reforma não mexe com essa divisão, nem reduz a carga tributária. Mas pretende unir o ICMS (estadual) com o ISS (municipal), para simplificar a arrecadação, criando o Imposto de Valor Agregado (IVA). Para isso, o ISS ficaria a cargo do Estado. E os municípios, com um prejuízo de cerca de 40% da arrecadação”, garantiu Ribeiro. Ele deu como exemplo o seu estado, Curitiba. O bolo arrecadado com o ISS é de cerca de R$ 1 bilhão. Despencaria para R$ 600 milhões. O que tem que ser discutido é como tirar o foco da arrecadação do consumo, que só acontece no Brasil e na Estônia, e tributar as grandes fortunas, os lucros e dividendos, indicou. A briga, segundo ele, vai ser grande. Os ricos não abrem mão de privilégios.

Roberto Kupski, presidente da Federação Brasileira dos Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), defende a direção do Superfisco pelos estados e garante que ninguém sairá prejudicado. Ele lamentou que a reforma tributária não tenha sido eleita como prioridade para o governo de Michel Temer. “O que prejudica o sistema tributário é a quantidade de benefícios fiscais. O empresário reclama da complexidade da legislação e da base de cálculo, mas quer as regalias que complicam o sistema. O ideal seria uma alíquota só. Agora, por exemplo, o governo age de forma contraditória. Está prestes a sancionar uma lei para o Distrito Federal que permite ampliar a guerra fiscal. E diz que quer simplificar o sistema”, destacou Kupski.

Já para Germano Soares, presidente da Federação Brasileira de Sindicatos das Carreiras da Administração Tributária da União, dos Estados e do Distrito Federal (Febrafisco), o fundamental da reforma é o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), “que ninguém acredita que vai sair”. A simplificação do sistema também não é fácil. “A tributação no Brasil é uma colcha de retalhos, com inúmeras leis e diversas interpretações”. Para ele, o Superfisco deve ter sede em Brasília, administrado pela União. Ele discorda do discurso do governo, que que a reforma tributária seja menos polêmica. Certamente tem menos apelo que a previdenciária. “O fato é que a população não entende e não sabe como debater. Desconhece que os tributos vão mexer com os produtos básicos, como remédios e alimentação. Não duvido que a reforma tributária passe rápido pelo Congresso. A base aliada do governo já deixou claro que quem não quiser apoiar, é só entregar os cargos e sair”, lembrou.

Bola da vez

Mais otimista, Unadir Gonçalves, presidente do Sindicato dos Servidores Tributários, de Fiscalização e Arrecadação (Sinffazfisco/MG), acha que a reforma tributária é a bola da vez, porque governo, empresários, políticos e servidores querem que ela aconteça. “E é importante que queiram porque não é possível termos 27 legislações do ICMS e mais de 500 de ISS. A minha expectativa é que seja aprovada ainda no segundo semestre. O problema é a administração do Superfisco. A previsão é que seja federalizado. Repassaria a arrecadação a estados e municípios. Difícil chegar a um consenso nesse item”, destacou.

Na análise do tributarista Paulo de Barros Carvalho, do escritório Barros Carvalho Advogados Associados, ao contrário, dada a complexidade do sistema tributário, o governo conseguirá, no máximo, uma simplificação, em “um ponto aqui, outro ali”. “É o que é possível. Já tivermos uma série de tentativas, desde Fernando Henrique. Mas ninguém quer perder um tostão. Nem União, nem Estados, nem municípios”. Nesse ritmo, desidratada, a reforma deve ser concluída no segundo semestre de 2018, previu. “A sociedade brasileira não está madura o suficiente para o imposto sobre a renda. Tanto que, de 1964 para cá, vem aumentando a tributação sobre o consumo. Os 20% mais ricos sempre ganham a batalha. Os mais pobres, sem perceber, estão pagando cada vez mais”, reforçou o tributarista.

Vera Batista
Servidora Pública

 

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